Os dinossauros evocam a pré-história. Eram criaturas fascinantes que dominaram o mundo durante mais de 200 milhões de anos. Agora estão representados pelos seus descendentes, as aves. Entre os dinossauros não aviários, foi descoberta uma espécie de pequeno porte (aproximadamente 1 m de comprimento) chamada Berthasaura leopoldinae, encontrada no Museu Nacional/UFRJ (MN 7821-V) e datada do período Cretáceo (80-90 milhões de anos atrás), em rochas sedimentares do sul do Brasil (município de Cruzeiro do Oeste, estado do Paraná). Sua descrição e denominação foram publicadas na prestigiosa revista Scientific Reports em 2021. [1]
O nome representa uma tripla homenagem: a Bertha Lutz (1894-1976), bióloga, política e pesquisadora do Museu Nacional/UFRJ; à imperatriz do Brasil Maria Leopoldina (1797-1826), que viveu no Paço de São Cristóvão, onde hoje se encontra o Museu Nacional; e à escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que apresentou o tema “Uma Noite Real no Museu Nacional” durante o carnaval (2018). O esqueleto de Berthasaura, que data de cerca de 100 milhões de anos, é um dos esqueletos de dinossauro terópode mais completos do Brasil. Uma característica interessante é que Berthasaura não tinha dentes, o que significa que é um dinossauro edêntulo, o primeiro do Brasil e também da América do Sul (Fig. 1). Sua dieta teria sido semelhante à das aves e tartarugas atuais. Seus ossos frágeis estão incrustados na rocha em que o cadáver foi encontrado (Fig. 2), o que impede os paleontólogos de examinar todo o esqueleto e suas adaptações morfológicas.

Fig. 1: Reconstrução da vida de Berthasaura realizada pelo paleoartista brasileiro Maurilio Oliveira.

Fig. 2: Rocha sedimentar contendo o esqueleto de Berthasaura (Fig. 2a) recuperada em Cruzeiro do Oeste, sul do Brasil, e conservada no Museu Nacional (espécime MN 7821-V). Uma imagem cVRT gerada a partir de imagens de TC mostra os detalhes ósseos em alta qualidade (Fig. 2b).
No entanto, uma tomografia computadorizada ajudaria a revelar a anatomia desses ossos, especialmente os ocultos na rocha sedimentar. Por isso, a equipe de paleontólogos do Museu Nacional entrou em contato com a Clínica Advance, no Rio de Janeiro, onde foi instalado um tomógrafo Siemens Healthineers SOMATOM go.Up. José Augusto Leite, diretor geral da Clínica Advance, e toda sua equipe técnica aceitaram o desafio e realizaram uma tomografia computadorizada do Berthasaura (Fig. 3). Os parâmetros da tomografia foram recomendados por Almir Rodrigues Tavares, biotecnólogo da Siemens Healthineers.
Foram obtidas imagens de TC para criar um modelo digital e uma impressão em 3D de cada osso individual utilizando um software de pós-processamento específico para pesquisa paleontológica. O processo completo levou quase seis meses para ser concluído. A alta qualidade das imagens de TC foi essencial para o sucesso desta iniciativa. Foram então revelados aspectos formidáveis da anatomia óssea do Berthasaura. As vértebras cervicais, por exemplo, a maioria delas ocultas pelos sedimentos, apresentavam centros vertebrais altamente pneumáticos. Os orifícios pneumáticos que cobrem o lado lateral das vértebras são comuns nas aves atuais. A pneumaticidade aviária melhora a ventilação pulmonar, proporcionando espaços para sacos cheios de ar, bem como esqueletos mais leves, necessários para o voo.
Os fêmures, tíbias e perões do Berthasaura estavam desarticulados. Conseguimos segmentar digitalmente esses ossos e reconstruir o joelho. Os modelos digitais (Figura 4) revelaram patas notavelmente arqueadas, ao contrário da maioria dos outros dinossauros, que têm as patas eretas, estritamente situadas abaixo da pelve.
Em contrapartida, os joelhos do Bethasaura eram mais semelhantes aos das avestruzes atuais, uma característica também encontrada em outros dinossauros. Apenas o lado esquerdo do esqueleto do Berthasaura estava exposto na rocha. Esperava-se que a tomografia computadorizada revelasse que o lado direito do animal havia sido encharcado pela matriz rochosa. De fato, apenas o lado esquerdo do esqueleto foi preservado. Isso foi demonstrado em imagens tridimensionais realistas utilizando a técnica de renderização de volume cinematográfico (cVRT) (fig. 5). É provável que o animal tenha morrido com o lado direito exposto à atmosfera, sujeito à chuva, ao vento, à radiação e à decomposição durante algum tempo, enquanto o lado esquerdo permaneceu enterrado e protegido pelo solo.

Fig. 3: Amostra MN 7821-V sendo digitalizada na Clínica Advance, Rio de Janeiro.

Fig. 4: Modelo digital em 3D do fêmur direito do Berthasaura criado a partir de imagens de TC.

Fig. 5: As imagens cVRT criadas utilizando um ajuste predefinido especial mostram o lado esquerdo preservado do esqueleto na superfície (Fig. 5a) e nenhum sinal do lado direito do animal embebido na matriz rochosa (Fig. 5b). Cada osso individual é claramente visível com seus contornos distintos (Fig. 5c).
A tomografia computadorizada também revelou outros ossos enterrados sob Berthasaura. Esses ossos são alongados e ainda mais pneumáticos do que os ossos de Bertha. Esses ossos pertencem a répteis voadores que viveram junto com os dinossauros, os pterossauros. Os pterossauros eram incríveis répteis voadores da Era Mesozóica com quartos dedos notavelmente longos que sustentavam uma membrana de pele conectada ao corpo. Essa membrana, o patágio, funcionava como uma asa, semelhante às vistas nos morcegos atuais, apesar da construção anatômica completamente diferente das asas. Os ossos alongados encontrados sob o esqueleto do Berthasaura provavelmente representam uma falange alar alongada de um pterossauro relacionado ao Caiuajara dobruskii, que é bastante comum nessas camadas. Essas descobertas confirmam que os pterossauros e os dinossauros coexistiram na parte sul do Brasil há cerca de 80-90 milhões de anos.
Com as imagens de TC obtidas, foi possível sugerir uma descrição anatômica de partes do esqueleto do Berthasaura que não haviam sido vistas antes, o que permitiu compreender melhor seu plano corporal e sua postura. Essas novas informações também contribuíram para refinar a posição que o Berthasaura ocupa na árvore evolutiva dos dinossauros terópodes. Além disso, foi possível realizar uma impressão em 3D do esqueleto completo do Berthasaura, que poderá ser utilizado em exposições e atividades educativas promovidas pelo Museu Nacional/UFRJ. Este projeto demonstra mais uma vez os avanços científicos que podem ser alcançados graças à colaboração entre os setores público e privado. [2]
